FÉ: DESESPERO, EXPECTATIVA E OBEDIÊNCIA


“Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. Então se levantou Abraão pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois de seus moços e Isaque seu filho; e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Deus lhe dissera. Ao terceiro dia levantou Abraão os seus olhos, e viu o lugar de longe. E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós. E tomou Abraão a lenha do holocausto, e pô-la sobre Isaque seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos. Então falou Isaque a Abraão seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto? E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho”. (Gn 22.2-8)

          Quanto mais  observo  esta cena tão dramática, mais sou convencido a rever meu conceito de fé. E por incrível que pareça, não necessariamente pela força desse Abraão filho de Deus, mas pela fraqueza de Abrão pai de Isaque. É fácil olhar para Abraão como um homem que praticamente “inventou” o exercício da fé. “Abraão, o herói da fé... Abraão, o pai da fé!”. Mas não é assim que, hoje, percebo este episódio nem este homem. As falas de Abraão e sua movimentação parecem sugerir algo mais profundo e mais humano do que uma fé inabalável e robótica. De alguma forma esse caso diz que fé tem muito a ver com desespero e expectativa do que certezas e seguranças.
          Observe que em meio às grandes porções das narrativas de Gênesis, o autor descreve esta porção em quadros menores, de modo que cada detalhe está carregado de significado. A cena se inicia com o estranho pedido de Deus, que cuida de destacar algo: “toma teu filho... a quem amas”. É como se Deus estivesse dizendo a Abraão que sabe muito bem o que está pedindo. Em seguida, Abraão tem tempo de passar a noite com aquelas palavras. Penso que é aqui que começa o desespero. Pois, quanto mais Abraão calcula a dimensão da loucura e da dor do que Deus havia exigido, mais ele reafirma sua obediência. Assim, convicção e desespero caminham juntos dentro de seu peito.
          O próximo quadro nos mostra Abraão preparando com cuidado tudo que precisará para cumprir o pedido divino e por último, foi cortar a lenha. Consegue imaginar como esse pai está fazendo isso? Cada pedaço de madeira em sua mão significa a morte de seu garoto! Quanta incompreensão um coração consegue suportar? Certamente Abraão explorou os limites da ansiedade. Após isto, ele foi!
         O que nos é relatado a seguir permanece absolutamente intrigante. Quando vê Moriá, após uma desapressada caminhada de três dias, ele pára seus empregados e diz que logo voltarão. Prestaram atenção nesta palavra? É um plural. Abraão está dizendo que não voltará só. Na sequência Isaque o questiona sobre o cordeiro a ser sacrificado. Então Abraão fala algo novamente intrigante. Com todo o provimento para sacrificar o filho, com passos obedientes e firmes ao local de holocausto, é que ele foi capaz de responder: “filho, Deus proverá um cordeiro”. Como assim? Deus foi claro, Abraão sabe disso. É exatamente por isso que ele está ali com seu filho. Neste momento é que percebo o desespero em meio à obediência. E isto é fascinante!
          Abraão não está fazendo outra coisa a não ser dizer a seu filho que não entende aquela situação, mas que conhece seu Deus, sabe que ele é digno de confiança, e que ele é bom. O que o desespero de Abraão é capaz de nos ensinar a respeito da fé, é que a obediência não pode ser justificada por  garantias esclarecidas. Ensina-nos que ter fé é, ainda que não compreendamos, ter toda expectativa em Deus. Ensina-nos que a fé pode até nos levar ao desespero, mas será ao mesmo tempo em que nos levará à presença de Deus. Ensina-nos que o caminho da obediência ao Senhor pode sim, ser atravessado com passos trêmulos como os nossos, mas que parte rumo a um Deus que nos considera, no começo, durante e fim da jornada. que sempre será uma jornada de fé.

Comentários

  1. Nó, então você é blogueiro também...

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  2. Uma vez, para não dizer milhares, ouvi que cristãos deveriam exalar o bom perfume, ou seja, deveriam ser pessoas agradáveis com quem todos, sendo ímpios ou justos, querem estar. Por quê?
    Por que alguém diria isso? Esse é o melhor que alguém pode ganhar de Cristo? Estaríamos então sendo chamados para pregar Cristo Jesus que fez de nós mais populares e queridos? Que nos ensinou uma moralidade infalível? Talvez. Afinal, quem não se impressionaria com eloqüência, inteligência e serviço? Mas é disso mesmo que se trata o evangelho? De uma carnalidade com a promessa de ser constantemente alimentada?
    Ouvimos que as pessoas devem aceitar Jesus em seus corações para que o vazio existencial seja preenchido. Deus é isso? Um complete a frase? Eu coloco o nome de Deus na minha camiseta, no adesivo do carro e digo que eu vivo para Ele? Basta responder a pergunta “Quem é que me abençoa?” e torcer com fé para a minha oração ser sorteada?
    Somos corruptos. Pecamos. Afundamos gerações com o pecado e ainda dizíamos que a razão era nossa, que a Lei de Deus era tolice e que queríamos mais do próprio pecado. Mas um dia, por misericórdia e desejo do Pai, os nossos olhos foram abertos para contemplar a majestosa supremacia de Cristo Jesus. Tamanha vergonha e peso estavam na cruz que só o Filho de Deus poderia passar, mas tamanha é a supremacia do Filho do Homem que ressuscitou. Arrependemos-nos e cremos no Filho, e assim temos a salvação.
    Não nos achegamos a Cristo pelo vazio existencial em nós, mas por que Ele é tudo, é o início de toda existência, é a nossa redenção. Nossa maior glória e presente é sermos aceitos por Ele, é o grande e misericordioso privilégio de o reconhecermos como O Senhor. Não confiamos na nossa eloqüência ou nos nossos carros, mas no Senhor, nosso Deus, que está acima de todas as coisas.
    Não somos dos que irão proclamar o nome do Senhor esperando o ressoar dos aplausos cantando para os nossos egos. Não esperamos que as pessoas digam olha como Deus o abençoa, agora ele tem um carro, um emprego e trata bem os pais. Queremos morrer todos os dias, queremos que a nossa carne seja esmagada pela gloriosa presença de Deus. Queremos que Deus seja glorificado, queremos dizer o quanto Ele é grande e o quanto nossa alma o deseja.
    Irmão, que o mundo se escandalize com tamanha presença de Deus. Que o mundo diga, ele não tem nada que não seja Deus.
    Feliz aniversário, Giovanni Zardini.

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